domingo, 22 de fevereiro de 2009

As imagens da semana

As árvores crescem sós.
E a sós florescem.
Começam por ser nada.
Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.
Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.
Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.
E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.
Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.
As árvores, não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.
Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
A crescer e a florir sem consciência.
Virtude vegetal viver a sós
E entretanto dar flores.
António Gedeão (24.11.1906 - 19.02.1997)
Fotografias do Jardim da Estrela (Lisboa)

2 comentários:

msg disse...

Boa noite,Maria Lua


Conheci bem,ou julguei conhecer, quem muito perto dessas árvores morou,quando eram elas novinhas.Começou ele por morar num prédio de gaveto,qual proa rumo ao futuro,na rua dos Navegantes. O panorama cativava - o Largo da Estrela,limitado pela Basílica e pelo Jardim. Melhores companhias difícil seria encontrar,um astro com luz própria,garantia de uma visão permanente,uma paisagem de eldorado e a presença protectora de uma grande Igreja. E lá ao longe,um cemitério,um tanto esondido,o dos Prazeres,aos quais resistiu.
As árvores,Maria Lua,que bem as cantou Gedeão. De ficar,ali,a
ouvir o seu canto,o dele e o delas. Hoje,passei por muitas outras árvores,que ocupavam o lugar de outras que eu em menino vi,e às quais trepei para apanhar folhas de que os bichos da seda gostavam. De um lado e doutro,só vinhas,vinhas a perder de vista. Tempos que já lá vão,até as àrvores onde eu trepei já lá não estão. A substituí-las, ficam os cantos do Gedeão & Cia.
Muito boa noite,Maria Lua.

Maria Lua disse...

Obrigado pela partilha, MSG.
O Largo da Estrela (com a Basílica e o Jardim) é um dos locais encantadores da Cidade.
:-)