quarta-feira, 24 de março de 2010

Portugal é o país da Europa com mais doentes mentais
Maioria dos casos graves nunca recebeu qualquer tratamento, revela o primeiro estudo nacional


"Os números apanharam de "surpresa" o próprio coordenador nacional para a saúde mental, Caldas de Almeida. Portugal é o país da Europa com a maior prevalência de doenças mentais na população e aproxima-se perigosamente do campeão mundial Estados Unidos. No último ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma doença psiquiátrica (23%) e quase metade (43%) já teve uma destas perturbações durante a vida. Para um grande mal, poucos remédios: 67% dos doentes graves estão sozinhos com o seu problema e nunca tiveram qualquer tratamento.
As conclusões são do primeiro estudo nacional sobre saúde mental, liderado por Caldas de Almeida, da Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa. O psiquiatra e também coordenador nacional para esta área explica a falta de tratamento por dois factores: "O estigma social que leva as pessoas a terem vergonha de procurar um médico e ao mesmo tempo a ausência de serviços especializados próximos, que cria dificuldades de acesso." Esta ausência de acompanhamento terapêutico contrasta com o elevado consumo de anti-depressivos e ansiolíticos. Como se explica a contradição? "Provavelmente temos pessoas que não precisam a tomar estes medicamentos e os que realmente precisam a não tomar nada", adianta.
Do total de portugueses com perturbações mentais, 6% apresentam quadros graves - nesta categoria os especialistas colocam a doença bipolar, as que levam a perda de capacidades e as que resultaram em tentativas de suicídio. Os médicos de família, nos centros de saúde, são o recurso mais comum. Nas doenças graves, acompanham quase metade dos doentes (47%), enquanto que os serviços especializados de saúde mental ficam pelos 39%. Isto apesar de Caldas de Almeida sublinhar que para estes pacientes isso não chega, "seguramente vão precisar de cuidados especializados". Também a grande maioria das patologias de gravidade moderada estão sem qualquer tratamento (65%) e as ligeiras que estão por acompanhar chegam aos 82%.
As perturbações mais comuns são as da ansiedade, com 16,5%, que em 3,2% dos casos assume proporções graves. "As pessoas costumam pensar que a depressão é que é grave, mas esquecem-se da ansiedade. Muitas vezes tem consequências também de grande gravidade", refere o coordenador do estudo. Neste conjunto, o mais comum são as fobias a situações específicas, com 8,6%, seguidas da perturbação obsessivo-compulsiva (4,4%). As depressões atingem 8% do total e, dentro destas, os bipolares representam 1%. Para uma segunda fase ficam as doenças psicóticas, como as esquizofrenias. Por terem uma dimensão menor, os casos não foram apanhados neste levantamento. Nas perturbações do controlo dos impulsos, 1,8% dos doentes têm explosões interminentes. O comportamento irado de alguns portugueses ao volante é o exemplo para a manifestação desta perturbação. Caldas de Almeida sublinha ainda que a hiperactividade/défice de atenção, normalmente associada às crianças, tem também expressão nos adultos: representa 0,4% das perturbações do controlo dos impulsos.
O estudo português integra um projecto liderado pela Universidade de Harvard e pela Organização Mundial de Saúde, que reúne 30 países. Estes são ainda os dados preliminares e, de acordo com os investigadores, muita da informação recolhida tem ainda de ser analisada. Um dos grandes objectivos é traçar o diagnóstico para depois adaptar os serviços de saúde às necessidades destes doentes. Os dados já recolhidos permitem perceber que a diferença entre Portugal e os restantes estados europeus é abissal. Aos 23% de prevalência nacional, Espanha contrapõe 9,2%, Itália 8,2% e a Bélgica 12%. Próximo do diagnóstico português apenas está a Ucrânia, com 20,5%. "É um padrão atípico", admite Caldas de Almeida. No caso das doenças graves, Portugal supera os 6%, enquanto que os outros países do Sul se ficam por 1%.
Para explicar a complexidade deste levantamento (feito em parceria com o centro de sondagens da Universidade Católica), Miguel Xavier, outro dos responsáveis pelo estudo, divulgou alguns números: 3849 entrevistados com mais de 18 anos, 150 entrevistadores, duas horas médias para cada entrevista e algumas a chegarem às quatro horas, seis anos desde o arranque do projecto. Pedro Magalhães, da Católica, refere que "foi o maior e mais complexo estudo" daquele centro."

In Jornal I

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