quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Letras

Não te suspendas, não,
deste abismo por onde voam
milhafres e nuvens brancas.
Bem conheces a tentação de cair
mas se fores demasiado longe
para que te vejam, te ignorem
na absoluta solidão e no frio,
estende, ao menos, uma corda de letras,
um cabo de palavras por onde desças
e te salves, mesmo com o desejo
dos regressos, a ambição da morte
insatisfeita, lá no alto, perto
dos sons muito esparsos, das cores
e das formas mais elementares.
Melhor do que deitar fora
as palavras, pela janela!

Manuel Fernando Gonçalves (1951)
in Coração Independente

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