sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Eles copiam e não são apanhados. 70% de cábulas na universidade
Plagiam, forjam assinaturas e reciclam trabalhos. Estudo sobre integridade académica nas universidades revela doença crónica

Para ter vergonha é preciso ser apanhado? Se a resposta for sim, a explicação da dimensão da fraude académica nas universidades portuguesas pode estar na diferença entre os alunos que admitem copiar e os que são apanhados: 70% já copiaram num exame e apenas 2,4% foram apanhados. Os dados são de um novo estudo sobre integridade académica coordenado por Aurora Teixeira, da Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Para a investigadora, que nos últimos anos tem contribuído para a literatura internacional sobre o tema, os resultados revelam um verdadeiro flagelo no meio académico.
A análise preliminar, avançada ao i, tem por base as repostas de 5403 estudantes de mais de 400 cursos e uma centena de escolas. Neste estudo Aurora Teixeira quis aprofundar os resultados de um inquérito realizado em 2005 junto de alunos de Gestão e Economia, centrado na cópia em exames. O novo inquérito realizou-se entre Maio e Julho de 2010 e questionou alunos de todas as áreas sobre comportamentos como o plágio, a compra de trabalhos ou assinaturas falsas em folhas de presença.
Os resultados revelam que mais de metade dos alunos acredita que se copia deliberadamente e não porque a oportunidade surge ou por uma situação de pânico durante a prova. Pode concluir-se também que há uma continuidade neste tipo de comportamento: o estudo anterior, embora com alunos diferentes, revelava uma propensão para copiar de 62%. A percepção geral dos estudantes é que as práticas são reprováveis, mas não muito. Os alunos entendem ainda que haveria menos comportamentos desonestos se estudassem mais e organizassem melhor o tempo, mas também se os professores se interessassem mais pela sua aprendizagem.
Para Aurora Teixeira, a experiência académica em Inglaterra e os estudos comparativos sobre este tipo de fraude permitem concluir que em Portugal existe uma lacuna na forma como as instituições lidam com o problema. "O comportamento desculpabilizante é transversal a toda a sociedade", defende. "Quando falamos com alguém que tem alguma responsabilidade nas escolas sentimos que a questão da ética é relegada para segundo plano." Apesar de Portugal não ter taxas de incidência tão elevadas como outros países europeus, por exemplo a Polónia, Aurora Teixeira frisa que as amostras portuguesas têm sido sempre maiores nos estudos comparativos, o que poderá ter atenuado a dimensão do problema.
Fraude generalizada O estudo só estará pronto daqui a dois meses e permite a primeira avaliação do plágio nas universidades portuguesas, problema que Aurora Teixeira diz ultrapassar a cópia nos exames. De acordo com dados preliminares, 11,2% dos alunos inquiridos não citam fontes deliberadamente para "reclamar a originalidade de material copiado". Questionados sobre se já viram alguém fazê-lo, 43,6% responderam de forma afirmativa. Quase dois em cada dez estudantes admitem ter copiado "uma secção de um livro, artigo ou website e submetê-lo como seu".
Para Aurora Teixeira, outro dado revelador é a dimensão da reciclagem de trabalhos: 45,6% dos estudantes já entregaram o mesmo trabalho em mais de uma disciplina. "Os casos graves que vêm a público só acontecem esporadicamente, mas quem lecciona tem a nítida noção de que o plágio nas universidades é um problema aterrador", afirma a investigadora. O caso mais mediático é recente: uma professora do Instituto Politécnico do Porto foi acusada de plagiar um autor brasileiro no doutoramento, na Universidade do Minho.
Aurora Teixeira defende que os softwares de detecção de plágio, não sendo perfeitos, são uma ajuda. Numa ronda pelas universidades portuguesas, a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e a Universidade Lusófona revelaram usar o sistema Ephorus, mas tanto as que o usam como as que não têm qualquer sistema implementado têm dados sobre o problema.
Aurora Teixeira alerta para a importância de existirem códigos de honra, dissuasores da fraude, e sanções claras. A prática nas universidades não é homogénea. Na FCSH, o plágio dá reprovação imediata na unidade curricular ou no mestrado/doutoramento em questão. Na licenciatura, só a reincidência conduz à abertura de procedimento disciplinar, medida que é imediata nos estudos avançados. A Universidade de Aveiro sustenta que "os casos detectados têm sido pontuais e de imediata resolução, em contexto de avaliação contínua, e por isso até agora sem consequências graves para os autores".
Na UA optou-se por uma "atitude pedagógica e de informação, promovendo acções de divulgação da propriedade intelectual dirigidas a docentes, investigadores e alunos". Já a Universidade Católica Portuguesa diz que os casos têm sido raros. "A formação académica deve alertar para a ética da investigação científica e procuramos, logo na formação de base dos estudantes, familiarizá-los com o devido tratamento das fontes." Esta é também a opinião de Aurora Teixeira, que acredita existirem falhas na formação para a investigação, mas também na forma como a avaliação está estruturada. "As escolas têm de se organizar de outra forma", defende, considerando inconcebível avaliarem-se trabalhos escritos de 80 alunos. O processo de Bolonha é parte do desafio: "Bolonha, com uma maior autonomia dos alunos, não funciona nas antigas estruturas em que não existia o hábito de dar feedback. Se ao longo do curso tive sempre 18 e fui sempre à Wikipédia fazer copypaste, é natural que não veja problema."
Apesar de os dados não serem revelados por escola, cada instituição que participou no estudo vai receber um relatório detalhado com o tipo de fraudes mais praticadas pelos seus alunos.

in Jornal I online

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