segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A ameaça de plástico saltou fronteiras e já está no Atlântico

A área de Portugal, Espanha e Andorra não chegam para preencher a mancha de plástico microscópico do oceano. E há outra no Pacífico

“A era do plástico vai levar ao suicídio da espécie humana.” Sem reservas, o investigador norte-americano Charles J. Moore lança o vaticínio, 15 anos após a descoberta da chamada “Ilha de Plástico do Oceano Pacífico” – uma área de mais de 690 mil quilómetros quadrados, entre a América do Norte e a Ásia, composta por pedaços de plástico de várias dimensões que flutuam à deriva e que matam anualmente mais de um milhão de aves e espécies marinhas. Um problema que já nos bateu a porta e chegou ao Atlântico.
“O paradigma económico obriga-nos a agir de um modo suicida. Agimos dessa forma enquanto espécie apenas para promover crescimento económico, o que é uma loucura. A menos que mudemos esse paradigma, não temos hipótese”, disse Moore ao i. O investigador também é adepto da navegação e, em 1997, participava numa corrida de barcos centenária no Havai quando se deparou com a acumulação de milhões de pequenas partículas de plástico no Pacífico. Passados dois anos, Moore usou métodos científicos para calcular o rácio entre plástico e plâncton na região e chegou a um resultado de seis partes para uma, vantagem para o plástico. “Dez anos mais tarde voltámos ao local e descobrimos que o lago tinha aumentado substancialmente e que o rácio tinha passado para 36 partes de plástico para uma de plâncton”, recorda o investigador.

Problema Global
Na última década e meia, o investigador tem-se multiplicado em palestras sobre o tema. Em Setembro parte para mais um roteiro com passagem pelo Japão, China, Austrália e Nova Zelândia, sinal de que a questão é universal. “O saco de plástico é muito útil e prático, mas usá-lo só uma vez e deitá-lo fora não faz sentido porque o petróleo é um recurso natural não renovável”, sublinha ao i Rui Berkemeier, um dos fundadores da Quercus. “As gerações vindouras vão rir-se com a forma como desbaratámos esse recurso”, antevê o investigador e um dos actuais coordenadores da associação.
Para já, estamos demasiado centrados nas preocupações do dia-a-dia, que nos impedem de ver mais adiante. “Vivemos na era do plástico, em todos os aspectos da nossa vida ele está presente e assumíamos constantemente que era um material inerte”, diz Moore. “Mas esta revelou ser uma falsa assunção, porque o plástico é muito bioactivo”, esclarece o investigador.
Não será preciso esperar para assistir às consequências da existência destas partículas de plástico – a maioria com menos de três milímetros. “Isto está a matar o oceano, haverá colapsos de espécies inteiras, centenas de milhares de mamíferos a morrer todos os anos”, garante Moore, que tem testemunhado de perto esta realidade. “Não podemos fazer isto ano após ano e esperar que essas espécies sobrevivam”, sublinha.
As consequências de se utilizarem os oceanos como um caixote de lixo global recaíram em primeiro lugar sobre os peixes de menor dimensão, que se alimentam do plástico julgando tratar-se de plâncton. A partir daí, a cadeia alimentar foi seguindo o seu percurso natural, até que o ciclo se encerrou quando a questão voltou a focar o ser humano. “Esta realidade afecta todo o ecossistema, e o homem, quer queira quer não, faz parte desse ecossistema. Estando afectado, isto vai causar-lhe problemas, pelo desaparecimento de espécies. Há uma cadeira que fica partida”, esclarece Rui Berkemeier.
Trinta quilos de plástico no estômago de um camelo na África do Sul, pedaços de plástico dentro de ovelhas e bodes no Irão, baleias e golfinhos cujo plano alimentar já integra este derivado do petróleo. Nada que cause estranheza a Charles J. Moore que se refere a esta questão como “um tema subdocumentado globalmente”. E ainda será “preciso percorrer um longo caminho antes que se verifiquem algumas melhorias. Vai ficar muito pior antes que fique melhor”, garante o fundador da Algalita Marine Research Foundation.

Novo vizinho no bairro
Durante mais de dez anos a atenção esteve centrada nos detritos de plásticos existentes no Pacífico. Mas há dois anos, uma equipa de cientistas documentava pela primeira vez a existência de uma área semelhante no Oceano Atlântico, colocando os Estados Unidos entre as duas manchas de plástico no mapa e mostrando ao continente europeu que o problema também lhe diz respeito.
“Temos estilos de vida, por todo o mundo, em que as pessoas lançam de forma rotineira plástico para o ambiente”, lamenta Moore. Não admira por isso que a quantidade de detritos analisada tenha vindo a aumentar continuamente, desde que a ilha de plástico foi descoberta. E apesar de todos os dados trazidos a público sobre as consequências deste problema, a questão “ainda não atingiu o nível” em que se consiga um acordo internacional para definir um plano de acção, aponta o investigador americano.
“No nosso país, esteve para sair legislação que obrigava a que, gradualmente, os supermercados deixassem de oferecer os sacos e, na altura [durante o último governo socialista], PS e PSD acabaram por recuar e não aprovaram essa legislação”, refere Rui Berkemeier.

Legislação
Mudar a lei e proibir a disseminação facilitada de plástico seria uma resposta – já utilizada na Irlanda – para que os mares se tornassem progressivamente mais limpos. Outra hipótese é a renovação de hábitos, mas “os comportamentos não são fáceis de mudar. Se todo o esquema à nossa volta nos induzir no comportamento errado – que é o que se passa hoje, ainda que não tanto como antes –, por mais consciência que as pessoas tenham torna-se complicado”, resume o ambientalista Rui Berkemeier.

Por Pedro Rainho, in Jornal I

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